A resistência (trecho), por Ernesto Sabato
O pior é a velocidade vertiginosa.
Nessa vertigem, nada frutifica nem floresce. E o medo é próprio dela: o
homem adquire um comportamento de autômato, deixa de ser responsável,
deixa de ser livre
e de reconhecer os outros.
Sinto um aperto no coração ao ver a humanidade nesse vertiginoso trem
em que avançamos, ignorantes e temerosos, sem conhecermos a bandeira
desta luta, sem tê-la escolhido.
O clima de Buenos Aires mudou.
Nas ruas, homens e mulheres apressados avançavam sem se olhar,
preocupados em cumprir horários que ameaçam sua humanidade. Não há mais
lugar para aquelas conversas de café que foram um traço distintivo desta
cidade, quando a ferocidade e a violência ainda não a haviam
transformado numa megalópole ensandecida. Quando as mães ainda podiam
levar os filhos às praças ou visitar seus velhos. Alguma coisa pode
florescer a tal velocidade? Uma das supostas metas dessa correria é a
produtividade, mas quem diz que seus produtos são verdadeiros frutos?
* * *
É impossível o homem permanecer humano a essa velocidade; vivendo como
autômato, será aniquilado. A serenidade, uma certa lentidão, é tão
indissociável da vida do homem quanto a sucessão das estações para as
plantas ou para o nascimento dos bebês.
Estamos a caminho, mas
não caminhando, estamos a bordo de um veículo sobre o qual nos movemos
sem parar, como uma grande jangada, ou como essas cidades orbitais que
dizem que haverá no futuro. Já nada se move a passo de homem. Por acaso
algum de nós ainda caminha lentamente? Mas a vertigem da velocidade não
está somente fora, nós já a assimilamos à mente que não pára de emitir
imagens, como se também ela fizesse zapping; e talvez a aceleração tenha
chegado ao coração, que já pulsa em ritmo de urgência para que tudo se
passe rápido e não permaneça. Este destino comum é a grande
oportunidade, mas quem se atreve a saltar fora? Tampouco sabemos mais
rezar, porque perdemos o silêncio e também o grito.
Na vertigem
da velocidade, tudo é temível e o diálogo entre as pessoas desaparece. O
que dizemos uns aos outros são mais números do que palavras, contém
mais informação do que novidade. A perda do diálogo sufoca o compromisso
que nasce entre as pessoas e que pode fazer do próprio medo um
dinamismo capaz de vencê-lo e dar a elas maior liberdade. O problema
mais grave, porém é que nesta civilização doente não há apenas
exploração e miséria, mas também uma correlativa miséria espiritual. A
grande maioria não quer a liberdade, tem medo dela. O medo é um sintoma
do nosso tempo. A tal ponto que, raspando um pouco o verniz, é fácil
perceber o pânico que subjaz nas pessoas que perseguem as exigências do
trabalho nas grandes cidades. A exigência é de tal ordem que se vive
automaticamente, sem que os atos sejam precedidos de um sim ou um não.
A maioria da humanidade é empregada de um poder abstrato. Há empregados
que ganham mais, e outros que ganham menos. Mas quem é o homem livre
que toma as decisões? Essa é uma pergunta radical que todos temos de nos
fazer até escutar, na alma, a responsabilidade a que somos chamados.
Acredito que é preciso resistir: esse tem sido meu lema. Hoje, contudo,
muitas vezes me pergunto como encarnar essa palavra. Antes, quando a
vida era menos dura, eu teria entendido por resistência um ato heroico,
como negar-se a continuar sobre este trem que nos leva à loucura e ao
infortúnio. Mas pode-se pedir às pessoas tomadas pela vertigem que se
rebelem? Pode-se pedir aos homens e às mulheres do meu país que se
neguem a pertencer a esse capitalismo selvagem, quando eles têm de
sustentar os filhos e os pais? Se eles carregam tal responsabilidade,
como poderiam abandonar essa vida?
A situação mudou tanto, que
devemos reavaliar com muita atenção o que entendemos por resistência.
Não posso lhes dar uma resposta. Se eu a tivesse, sairia por aí como o
Exército da Salvação, ou como esses crentes delirantes ― quem sabe os
únicos que realmente acreditam no testemunho ―, proclamando-a pelas
esquinas, com a urgência que nos deveriam dar os poucos metros que nos
separam da catástrofe. Mas não. Intuo que é algo menos formidável, mais
modesto, algo como a fé num milagre, o que quero transmitir a vocês
nesta varta. Algo condizente com a noite em que vivemos, não mais do que
uma vela, algo que nos ajude a esperar.