segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"De que adiantará um discurso sobre alegria se o professor for um triste? " - Artur da Távolla

Não sei se os poucos frequentadores que por aqui estão de vez em quando  sabem que eu sou uma  prof's ... 

Pois é, lecionar é o que proponho a vida e confesso que tem dado muito certo. Em homenagem aos meus alunos terceiro anistas neste ano de 2010, viabilizarei aqui em Vilarejo um vídeo lindo (não pela qualidade porque filmagens não é lá o meu forte ... mas pelo conteúdo) de uma intervenção teatral que eles realizaram na última feira cultural da nossa escola. É baseado no poema Carta de um Contrato, do angolano Antônio Jacinto. 


Os créditos são de Jean, Rafael, César, Érica.



sábado, 25 de dezembro de 2010

Feliz Natal


Natal na Ilha do Nanja
Cecília Meireles

Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam nessas palavras que antigamente se denominavam "substantivos próprios" e se escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim.

Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém, moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.

Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial: "Boas Festas! Boas Festas!"
E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos, porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha, com praias e pescadores! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!

Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal. Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda com lágrimas nos olhos.

Na Ilha do Nanja é assim. Árvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam com pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de 200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de todos os outros uma coisa só.

É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.


In, Quadrante 1, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1966.

sábado, 11 de dezembro de 2010

[ , ]

 


Eu deveria estar dormindo exatamente agora ...
mas deu vontade de escrever você.

Agonia [  ,  ].

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Sobre dor

"(...) As pessoas suportam tudo, as pessoas às vezes procuram exatamente o que será capaz de doer ainda mais fundo ..."
Caio Fernando Abreu


... e hoje eu procuro você.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Sobre cumplicidade

O beijo, Klimt - 1907
'Olha, se você não largar esse computador, parar de falar e se deitar ao meu lado agora, juro que ...'

'Jura o quê?'

'Juro que vou ficar acordado, zelando a tua insônia, esperando teu cansaço sucumbir sobre mim.'

'Eu te amo ...'

'Eu  te  sinto.'




segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sobre fado



"Lê." Estendeu o papel amassado.

Com olhos semicerrados e atentos, ele leu.

"Lindo!" ... diz emocionado.

Num movimento brusco, ela arrancou o papel das mãos dele: "Não é pra achar bonito ... é pra incomodar", pronunciou direcionando-se ao cômodo ao lado e, antes que batesse a porta com todas as suas forças, encarou-o nos olhos.

Entreolharam-se ...  entrepensaram ...

"Ela é a minha fada!"

"Deus, ele é o meu fado!"

Alcançaram-se em um movimento angustiante e, sob o chão frio da madrugada, amaram-se divinamente, redescobrindo o óbvio ... [  .  ]

Sobre anjos

""Ein jerder Engel is schrecklich", bassopa!" 
Luís Carlos Patraquim, in Lidemburgo Blues






  
 fotografia de Nelson González Leal

sábado, 6 de novembro de 2010

Aula poemática

cinza, o dia
cidade cinza
chuva cinza


Alma espelhada 
coração escarlate
realidade sangrando
[  .  ]

terça-feira, 2 de novembro de 2010

História de nós dois - conjecturas

- Sabe qual o nosso problema?

- Fala ...

- O arco-íris em preto e branco ...

- Quê?

- É, você não me apreende mesmo ...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Miniaturas de Outdoors

Estive nas últimas semanas refazendo um percurso de metrô, trabalhando em um freelance, sabe? Engraçado … no meu tempo de 'estudante copiante', não me lembro de professor algum dizendo que precisava realizar trabalhos de freelance … coisas da modernidade, certamente.

Alternei nas linha dia-a-dia para não cansar das paisagens concretadas ou humanizadas. Tenho dessas coisas desde que descobri que São Paulo não é tão grande assim, geograficamente falando, como o bom paulistano insiste em acreditar. Linha azul, verde, vermelha, amarela … singulares em especificidades, mas sempre lotadas no horário de pico (é impressionante como as pessoas 'pipocam' do nada às 17h30).

Em meio a esse formigueiro humano (ensandecido, diga-se de passagem) observei uma sequência de outdoors miniaturas que acompanhavam as escadas rolantes com mensagens parabenizando o profissional de educação física pelo seu dia – 1• de setembro. Várias mensagens legendam figuras de profissionais de educação física (ou pelo menos penso que sejam) protagonizando a função exercida, sempre muito sorridentes e de belezas generosas.

O fato é que estamos em 15 de outubro e, pasmem, a homenagem continua lá nas miniaturas de outdoors há exatamente 1 mês e 14 dias. Engraçadinhas essas miniaturas! Ora, devíamos reclamar ao departamento de publicidade e propaganda da empresa que administra o metrô pela falta de consideração com o cidadão que tem de ler repetidamente por 44 dias as felicitações ao profissional de educação física … Ora, ora, se é assim por que não homenagear a secretária em seu dia 30 de setembro, ou quem sabe as abelhinhas e o poeta (justo!) nos dias 03 e 04 de outubro?

Francamente, podiam homenagear a minha amiga Sisina que faz anos em 15 de outubro, ao menos para diversificar as miniaturas de outdoors (que são umas belezinhas, vocês precisam ver!) … o cidadão que ali transita todos os dias da semana deve cansar de apreciar a mesma homenagem …

Sabe-se lá, não é? Vai ver que o criativo colaborador que é responsável pela seleção dos homenageados não tomou conhecimento que 15 de outubro é dia de aniversário da Sisina … quem sabe, também, ele é autodidata desde que aprendeu a limpar a bunda sozinho … Difícil de entender essa nação verde-amarelo-azul e branco (faltou o vermelho de vergonha na cara) ... tão difícil quanto aprender trigonometria, que é tri-complicada, ou aquela confusão belíssima do DNA (desculpem-me meus amigos matemáticos e biólogos!) ...

Vocês, caros amigos, devem pensar neste exato momento que ando carente de reconhecimentos, não é?

É bem verdade que tenho precisado de férias em Paris ou, quem sabe, uma bolsa de estudos em Portugal!!! Bolsas, sapatos, perfumes variados (eu sei que é ostentação, eu sei …), de um cupom premiadíssimo para o cabeleireiro e cia. com validação infinita … ah, e também de um motorista particular … Mas em relação ao reconhecimento profissional tenho estado satisfeita. Está certo que um elogio do chefe é bom de quando em vez, mas tenho tido protestos tão fervorosos que até me esqueço dos elogios (eu deveria chorar, mas tenho me permitido o riso ultimamente).

Também, neste ano mais precisamente, tenho colhido o melhor reconhecimento que um profs pode almejar na vida: a compreensão e admiração mútua que tenho dedicado e recebido de uma parcela pequena dos meus alunos, mas imensamente significativa … É, não é de reconhecimento que preciso agora ...

Na verdade o que eu preciso, aliás, o que nós precisamos é de algo simples mas que dê conta de carregar o sentimento do mundo, uma vez que cada um de nós temos apenas duas mãos, parafraseando Drummond no verso e reverso …

Eu sei que salientar as condições moral, psicológica e, muitas vezes, solitárias das quais nos colocamos de frente é redundância. Mas o que seria de nós, professores, se não fosse a redundância do sentimento que nos impulsiona?

Então, neste 15 de outubro, mesmo sem a homenagem do metrô, quero dizer a todos vocês que eu os admiro e desejo um caminho repleto de poesia, porque afinal temos de concordar que todo professor é poeta (e, talvez, louco).

Desejo a todos vocês que sejam extremamente felizes porque Artur da Távolla questiona precisamente : “ De que adiantará um discurso sobre alegria se o professor for um triste”

Desejo, também, que tenham a consciência do ganho imaterial constante porque Guimarães Rosa afirma epifanicamente que “Mestre não é quem sempre ensina, mas aquele que de repente aprende”

Espero que protagonizem simplificadamente porque Cora Coralina disse que “Feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”

Aspiro que tenham a sabedoria de que “todo ser humano é um estranho ímpar”, como dizia Drummond

E, finalmente, da forma mais verdadeira e companheira, desejo que amem o próximo incondicionalmente, seguindo o caminho com o professor maior, Jesus Cristo.

Ah, uma última observação: a Sisina realmente aniversaria hoje e, pasmem, é professora … isso que é predestinação …

Um grande beijo e um ótimo dia, queridos professores!





quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A minha máquina ...





 Mercedes-benz:
(Ô, lá em casa ...)
É gostoso e faz bem!*







Todas as cartas de amor são rídiculas, segundo Álvaro de Campos, assim como todos os versinhos de amor são rídiculos (!?!?!) ... E eu estou epifânicamente rídicula com essa saudade absurda que sinto de você ...

Conversas de supermercado


 joaowerner.com.br

Mangas Tomy,  uvas frescas: pretexto descarado ... o que elas realmente ansiavam era a companhia uma da outra em um dia cinza. Felizes (porque a esta altura, já haviam descoberto que 'tristeza era luxo*'),  porém inteligivelmente cinzas: "Escolhe um melão pra mim?", "A Jô vai dormir em casa hoje?"

*Clarice Lispector


domingo, 26 de setembro de 2010

Hoje

Hoje acordei com uma vontade louca de cantar todas as músicas de amor ao pé do teu ouvido ... de vislumbrar teu sorriso e entrelaçar tuas pernas nas minhas ...

Vontade de espreguiçar sentindo teu cheiro tatuado em minha pele e  dirigir-me à janela para gritar silenciando aos quatro cantos  deste mundo cinza que nós simplesmente somos.

Eu quis, também, te levar para o banho ... bendizer a água que nos purificaria percorrendo nossos corpos com a sofreguidão da separação ...

Preparar um café só para sentir nele o gosto da tua boca e despertar prazeres na minha alma que só você e ele segredam ...

Hoje segregarei tua onipresença porque tudo que quero é a compensação da tua ausência, o teu corpo no meu  refazendo o nosso eu.

sábado, 25 de setembro de 2010

Sobre muletas

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Era uma vez uma muleta, um tanto enigmática, mas bem representativa de outras tantas que há por aí. Trabalhava bem como todas as outras, porém com mais ênfase, mais empenho, uma vez que o Criador dera-lhe um dom especial (e ela podia sentir isso): era uma muleta que gostava de ser muleta. Por muitos e muitos anos trabalhou sem maiores questionamentos, tranquila e até mesmo feliz (por ser uma muleta). Até que em um dia cinza, dera-se por insatisfeita pelo término de mais um ‘trabalho’ (‘trabalho’ este que exigiu paciência e tratos específicos, uma vez que era um ‘trabalho’ diferenciado, daqueles que não revelam-se facilmente, desses poucos que há por aí), pois já estava cansada de tantas trocas de trabalho e perguntara a si própria: "Por que os 'trabalhos' não conservam uma única muleta? Não seria mais fácil recorrer àquelas que já o conhecem?" ... Foi então que sua ‘amiga muleta imaginária’ segredou-lhe bem baixinho: "E quem lhe disse que todas as muletas conhecem os 'trabalhos' a que se prestam? Não é para conhecer, individualizar, considerar ou torná-los especiais ... 'trabalhos' são 'trabalhos', mais nada além disso, e você, cara amiga muleta enigmática, só é mais uma muleta das quais eles se utilizam sem maiores considerações e diferenciações.”

A muleta, por sua vez, ensimesmada em seu próprio ‘eu muleta’  refletiu, questionou-se, estudou ... Sem êxito, decidiu ir até ao Criador.

Lá chegando, já esgotada de tanto procurar uma lógica sobre a existência das muletas, perguntou: “Por quê?”, o Criador, espantado, olhou-a com curiosidade e disse: “Por que questionas algo que és tão lógico? ‘Trabalhos’, são ‘trabalhos’, muletas, são apenas meras muletas ...”. Ela, muleta, em sua forma peculiar e tão pequena diante Dele, suplicou-lhe que a ajudasse a entender. O Criador, por sua vez, perguntou-lhe: “Não vês tua forma? Nunca olhaste-te refletida em um espelho?”. Percebendo um misto de desespero e surpresa na face daquele ser, pegou-lhe pela mão, suavemente, e guiou-a até um espelho: “Não vês que és um ‘trabalho’ e não uma muleta? Olha-te, reconheça-te ... És tu que necessitas de uma muleta ... não para tê-la como apoio, mas para valorizar tudo aquilo que ela te darás e possibilitará quando do confronto com o espelho maior, aquele que lhe dá o livre arbítrio, que é a tua consciência ...  Agora vá, e sem pormenores, faça o que tem de ser feito.”.

De olhos baixos e expressões duras, a muleta que na verdade era um ‘trabalho’, seguiu sem olhar para trás, decidida a encontrar a sua própria muleta.

História de nós dois - Au revoir ... [ . ]

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- Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
- E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 9 de junho de 2010

História de nós dois - É assim ...

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"Fica? Passa? Vai? Volta? (...) Não sei nada, mas foi lindo."

Caio Fernando Abreu


* e continua sendo ...



 

sábado, 29 de maio de 2010

História de nós dois - Preleção de um enredo

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"Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja."

Clarice Lispector
in Onde estivestes de noite - 7ª Ed. - Ed. Francisco Alves - Rio de Janeiro – 1994

terça-feira, 11 de maio de 2010

Sobre as certezas que não tenho ...

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"Não há dúvida: pensar me irrita, pois antes de começar a pensar eu sabia muito bem o que eu sabia."
Clarice Lispector

terça-feira, 9 de março de 2010

DEStolerância

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A intolerância é a perdição do ser 'humano'. Pessoa alguma é obrigada a concordar constantemente, mas acreditar cegamente está para a morte assim como respeitar está para a vida.
Sob os olhos do mundo, a Nigéria é hoje o maior palco da intolerância humana, no qual o homem pensa que é um deus e pune em nome do verdadeiro Deus.
Nietzsche já dizia sobre verdades e mentiras: "As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”. 
 Não há verdade absoluta no que conhecemos como mundo; o que existe são possibilidades … apenas possibilidades [ . ].




segunda-feira, 8 de março de 2010

Sobre mulher

 
“Nu de Dos” (Blue Nude), Pablo Picasso


Mulher … ser que recebeu o sopro divino com beatitude e sabedoria dos sentimentos. Poderia enumerar aqui centenas de características que só este ser acumula … mas para que citá-las se o próprio ser, em sua essência paradoxal, denuncia-se ao exercer o ato de ser?
Clarice Lispector denunciava o saber viver em meio a solidão … Cora Coralina, mostrou a grandeza da simplicidade; Édith Piaf, cantou la vie en rose, enquanto Zilda Arns amou ao próximo acima de todas as coisas ...
Adélia Prado coloriu a felicidade dos pequenos momentos e Cecília Meireles desenhou a dor da efemeridade; Florbela Espanca amou incondicionalmente, Joana D'Arc morreu bravamente … entre inúmeras outras que independente de suas escolhas e planos do qual fazem parte, exercem o ato de ser em cada minuto de sua existência movidas por uma única razão: a paixão …
Mulher nada mais é que ser ... um ser completamente apaixonado ...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Pedro e Daniel


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Enfim, uma janela … após onze períodos, uma pausa para pensar em que me incomodava, sem interferências. Dirigi-me à sala de descanso. Café, cadeira confortável ao centro da mesa, pernas para o alto, pensamentos altamente erotizados. Foi quando um colega entrou bruscamente, resmungando trivialidades do ofício. Sentou-se atrevidamente em uma poltrona no extremo da sala. Pensamentos distantes rapidamente voltaram ao ambiente a mirar maliciosamente o colega. Figura despojada, à vontade, sem pudor algum. Era um homem belo, robusto, grandes olhos acompanhados de lábios acentuadamente delineados, personalidade marcante, forte com pequenos traços brutos. “Ah, se ele me jogasse naquela parede ...”. É, se ele jogasse ... Levantei-me para servir mais um café. “Café?”, perguntei. “Por favor”, disse em meio a um riso irônico, “adoro que me sirvam”, completou. Caracas, que filho da pqp... Servi-o, com prazer, e voltei a minha posição inicial. 

Passado alguns minutos, eis que entra um outro colega. “Janela”, pronunciou aliviado. Este, diferentemente do outro, era um tipo normal, óculos, silhueta sem estilos, porém essencialmente maduro, convencional e portador de ricos pensamentos, oferecia aprendizado constante. “Ah, se destilasse poesias ao pé do meu ouvido.” “Café?”, novamente perguntei, “Claro, se você me acompanhar, mas permita que eu sirva”, respondeu. “Opostos, Pedro e Daniel* personificados”, pensei convicta … Trouxe-me o café e dirigiu-se à outra ponta da mesa.

Os dois liam compulsivamente e eu, pensava sem interrupções ... “Melhor ser jogada na parede do que ouvir poesias ...”, uma voz soprou de leve ao meu ouvido. “Que nada, satisfaça-se por completo … embebeda-se de conteúdo”, uma segunda voz, exaltadamente. “Entorpeça-se de líquido quente, isto sim ...”, novamente a primeira.

Sensações de calor, acompanhadas de calafrios, consumiam o meu equilíbrio. “Louca”, disse a mim mesma na intenção de obter alívio .
Percebendo o meu desconforto, “Calor aqui, não? Abrimos uma das janelas?”, disse o segundo colega quase que melodicamente. Nada pronunciei e assim ele o fez. “Mais um café? Agora eu te sirvo”, disse o primeiro com um sorriso safado no canto da boca, “Valha-me, Deus”, pensei quase que como uma prece ...

“Louca, devassa, embebeda-se, entorpeça-se, líquido e conteúdo, fusão perfeita, equilíbrio, satisfação, êxtase e tesão … pegue os dois!” , uma terceira voz em sussurros gostosamente pronunciados ... “Pegue-os, faça deles vinho e pão, acalanto e rebento”. Era essa a minha opção ...

Em busca de ar, tentando equilibrar um corpo obtuso, levantei-me, bruscamente, (desabotoando os primeiros botões da blusa como quem se liberta das amarras da razão... queria insanidade, volúpia e satisfação) e dirigi-me ao centro da sala sob olhares surpresos. Decidida e preparada para a aquisição da minha satisfação, eis que pronuncio involuntariamente: “rapazes, voltemos ao trabalho … faltam dois minutos para o início do último período”. Sem olhá-los, agarrei meu material com forças de um corpo nulo de saciedade, e caminhei em direção à porta permitindo interferências, novamente, em meus pensamentos ...

* referência ao romance As Pupilas do Senhor Reitor, Júlio Dinis

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cora Coralina

diariodonordeste.globo.com


Começo de ano letivo, planejamento fervilhando e surge, então, a difícil tarefa de definir o que é lecionar e aprender nos dias de hoje. A resposta veio instantaneamente, mas parou na ponta da língua.

Para quem não convive a realidade de uma escola, seja como aluno, professor, gestão escolar e demais colaboradores, parece uma pergunta simplória, de senso comum. Porém, para quem vivencia o ambiente escolar, esta pergunta é, no mínimo, complexa.

Escola passou a ser sinônimo de dificuldade, adversidade. Grande parcela do alunado a frequenta por inúmeros motivos, menos o de estudar. Muitos professores, também, lecionam por falta de opções, ou até mesmo para completar o quadro financeiro familiar. Isto é fato e não é segredo a ninguém e, para os mais tradicionais, o caos personificado. Vale ressaltar que não me refiro à totalidade, mas sim à partes distintas.

Um verdadeiro paradoxo ... talvez aí a dificuldade em executar tal tarefa. Percebi, então, que não é possível responder com exatidão à esta pergunta porque as definições dos termos lecionaraprender ultrapassam os significados metalinguísticos e partem da experiência individual de cada elemento que compõe o quadro escolar; experiência esta, muitas vezes conflituosa, dolorosa, ou extraordinária, confortante e assertiva.

Entretanto, partindo da minha experiência, respondo com segurança que não posso distinguir uma coisa da outra. A cada dia que entro em uma sala de aula, lecionar e aprender parecem-me sinônimos. Confesso que tenho dificuldade em separar um termo do outro, porque lecionar é trabalho de formiguinha, a conquista diária de um olhar, de um sorriso, de uma chance e a credibilidade ao próximo; e aprender é agregar vivências e valorizar o ser humano no mínimo ou no máximo que ele pode nos oferecer. Se não são iguais, são minimamente diferentes.

Cora Coralina, como boa pastora de essências, disse: “Feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Eu, como apaixonada pelo enigma do “ato de ser” do ser humano, agradeço por ela ter existido e digo: feliz de mim que não consigo resolver este enigma.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

História de nós dois



História de nós dois é um pedido muito especial por dois motivos: primeiro porque a história não acabou (para ser sincera, talvez nem tenha começado …), segundo porque não consigo começá-la. Por isso resolvi escrever esta nota prévia, na tentativa de que as palavras fluam ao encontro de nós dois.

É engraçado … eu não deveria atender a este pedido, não sei escrever a pedidos … mas gosto da ideia de contar a história de nós dois ...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Reticências

 

Oriunda do  Latim, reticere - calar alguma coisa - as reticências são  sinais gráficos textuais que objetivam a idéia de omissão de algo que poderia estar escrito, mas não foi; a idéia de continuação; de pesamento, reflexão. 

Na verdade, creio que classificá-las como mero sinal gráfico é muito pouco pela tamanha importância que ela representa (pelo menos aqui, em Vilarejo ...).

Por muitas e muitas vezes ela, a reticência, estará aqui presente porque não há Débora sem reticências ... e,  a mim, todos os sentidos acima são pertinentes, mas  aproprio-me de reticências porque transito no que escrevo,  permitindo interferências que nem eu mesma dou conta. Portanto, não posso Ser sem elas ...

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Canaval

 
www.abi.org.br

É Carnaval ... e aqui no Brasil o momento mais eufórico e efusivo do ano. Eu, sinceramente, detesto esta época, ainda mais quando não posso viajar ... Os grandes centros ficam lotados, com pessoas euforicamente animadas, procurando fantasias, jogando confetes no meio da rua ...

Sem contar que tudo é demais: a música é muito alta, o batuque das escolas de samba impregnam, a figura da mulher é demaisadamente rebaixada (assim como suas roupas são quase imperceptíveis), o brilho ofusca ... ah, não poderia esquecer da cerveja: o consumo é tão grande que até o principal efeito colateral fisiológico  da 'Devassa' (que falta de originalideade, rs) ganhou matéria de destaque hoje em programas jornalísticos de praxe - "os manequinhos", que urinam efusivamente - rsss .. ai, ai, como diz meu pai, talvez eu tenha me habituado a ficar efusivamente chata nesta época ...  

A verdade é que com o 'avanço' da humanidade, o Carnaval, pelo menos das grandes metrópoles, perdeu a originalidade, o sentido. Quando criança, minha avó costumava nos levar em matinês nesta época : íamos felizes, sempre com uma fantasia improvisada porque o dinheiro era curto, carregando uma garrafinha de água e um saquinho com confetes e serpentinas; durante algumas horas, dançavámos e brincávamos com muita alegria, sem ao menos imaginar que um dia a fantasia seria dispensável, rss ... Creio que eu esteja ficando velha ... Mas, enfim, deixo aqui trechos de um texto que recupera a minha boa lembrança do carnaval, para me redimir com os foliões de plantão, rs ... Boa leitura!


"(...) Fomos passear também na Gávea e na Avenida Niemeyer, ainda bastante deserta, e na Tijuca, com a sua floresta e a sua linda Cascatinha. "Cascatinha", por sinal, era o nome da cerveja que papai tomava com muito gosto, enquanto nós, crianças, nos amarrávamos num refrigerante incrível que tinha o estranho nome de Guaraná.
Não deixamos de passear pelo centro da cidade, na elegantíssima Rua do Ouvidor, e na muito chique Cinelândia, em frente ao Teatro Municipal e suas escadarias, com seus bares e sorveterias na calçada. E, claro, na Avenida Rio Branco, reta, larga, e imponente, embicando no cais do porto, por onde chegamos ao Brasil pela primeira vez.
E foi nessa avenida Rio Branco que tivemos a nossa primeira impressão - e que impressão! - do carnaval brasileiro. Eu já tinha ouvido falar em carnaval: na Europa, era famoso o carnaval de Nice, na França, com a sua decantada batalha de flores; e o carnaval de Veneza, mais exuberante, tradicional, com gente fantasiada e mascarada dançando e cantando nas ruas. E havia também os luxuosos, e acho que "comportados", bailes de máscaras, em muitas capitais européias. Eu já ouvira falar em fasching, carnevale, Mardi Gras - vagamente. Mas o que eu vi, o que nós vimos, no Rio de janeiro, não se parecia com nada que eu pudesse sequer imaginar nos meus sonhos mais desvairados.
Aquelas multidões enchendo toda a avenida, aquele "corso" - o desfile interminável e lento de carros, pára-choque com pára-choque, capotas arriadas, apinhados de gente fantasiada e animadíssima. Todo aquele mundaréu de homens, mulheres, crianças, de todos os tipos, de todas as cores, de todos os trajes - todos dançando e cantando, pulando, saracoteando, jogando confetes e serpentinas que chegavam literalmente a entupir a rua e se enroscar nas rodas dos carros... E os lança-perfumes, que que é isso, minha gente! E os "cordões", os "ranchos", os "blocos de sujos" - e todo o mundo se comunicando, como se fossem velhos conhecidos, se tocando, brincando, flertando - era assim que se chamavam os namoricas fortuitos, a paquera da época -, tudo numa liberdade e descontração incríveis, especialmente para aqueles tempos tão recatados e comportados... Tanto que, ainda vários anos depois, uma marchinha carnavalesca falava, na sua letra alegremente escandalizada, da "moreninha querida... que anda sem meia em plena avenida".
Ah, as marchinhas, as modinhas, as músicas de carnaval, maliciosas, buliçosas e engraçadas, algumas até com ferinas críticas políticas... E os ritmos, e os instrumentos - violões, cuícas (coisa nunca vista!), tamborins, reco-recos...
E finalmente, coroando tudo, as escolas de samba, e o desfile feérico dos enormes carros alegóricos das sociedades carnavalescas - coisa absolutamente inédita para nós - com seus nomes esquisitos, "fenianos", "Tenentes do Diabo" - cada qual mais imponente, mais fantástico, mais brilhante, mais deslumbrante, mais mirabolante - e, para mim, nada menos que acachapante!
E pensar que a gente não compreendia nem metade do que estava acontecendo! Todo aquele alarido, todas aquelas luzes, toda aquela agitação, toda aquela alegria desenfreada - tudo isso nos deixou literalmente embriagados e tontos de impressões e sensações, tão novas e tão fortes que nunca mais esqueci aqueles dias delirantes. Vi muitos carnavais depois daquele, participei mesmo de vários, e curti-os muito. Mas nada, nunca mais, se comparou com aquele primeiro carnaval no Rio de Janeiro, um banho de Brasil, inesquecível ...(...)"

Tatiana Belinky. Transplante de menina. 3ª ed. São Paulo, Moderna, 2003, pp. 101-103.




segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Bicho ser, homem bicho

gritosinaudiveis.wordpress.com, por Enrique Andrés


Hilda Hilst, em Delicatessen, quem o diga ...

Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. Das criaturas. Vá lá. Gosto de voltar a este tema. Outro dia apareceu uma moça aqui. Esguia, graciosa, pedindo que eu autografasse meu livro de poesia, "tá quentinho, comprei agora". Conversamos uns quinze minutos, era a hora do almoço, parecia tão meiga, convidei-a para almoçar, agradeceu muito, disse-me que eu era sua "ídala", mas ia almoçar com alguém e não podia perder esse almoço. Alguém especial?, perguntei. Respondeu nítida: "pé-de-porco". Não entendi. Como? "Adoro pé-de-porco, pé-de-boi também". Ahn... interessante, respondi. E ela se foi apressada no seu Fusquinha. Não sei por que não perguntei se ela gostava também de cu de leão. Enfim, fiquei pasma. Surpresas logo de manhã.

Olga, uma querida amiga passando alguns dias aqui conosco, me diz: pois você sabe que me trouxeram uma noite um pé-perna de porco, todo recheado de inverossímeis, como uma delicadeza para o jantar? Parecia uma bota. Do demo, naturalmente. E lendo uma entrevista com W. H. Auden, um inglês muito sofisticado, o entrevistador pergunta-lhe: "O que aconteceu com seus gatos?" Resposta: "Tivemos que matá-los, pois nossa governanta faleceu". Auden também gostava de miolo, língua, dobradinha, chouriços e achava que "bife" era uma coisa para as classes mais baixas, "de um mau gosto terrível", ele enfatiza. E um outro cara que eu conheci, todo tímido, parecia sempre um urso triste, também gostava de poesia... Uma tarde veio se despedir, ia morar em Minas... Perguntei: "E todos aqueles gatos de que você gostava tanto?" Resposta: "Tive de matá-los". "Mas por quê?!" Resposta: "Porque gatos gostam da casa e a dona que comprou minha casa não queria os gatos". "Você não podia soltá-los em algum lugar, tentar dar alguns?" Olhou-me aparvalhado: "Mas onde? Pra quem?" "E como você os matou?" "A pauladas", respondeu tranqüilo, como se tivesse dado uma morte feliz a todos eles. E por aí a gente pode ir, ao infinito. Aqueles alemães não ouviam Bach, Wagner, Beethoven, não liam Goethe, Rilke, Hölderlin(?????) à noite, e de dia não trabalhavam em Auschwitz? A gente nunca sabe nada sobre o outro. E aquele lá de cima, o Incognoscível, em que centésima carreira de pó cintilante sua bela narina se encontrava quando teve a idéia de criar criaturas e juntá-las? Oscar, traga os meus sais.


Texto extraído do jornal “Correio Popular”, de Campinas-SP, edição de 01/03/1993.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Efemeridade da vida e Flores de Cerejeira

 


"São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora."
Carlos Drummond de Andrade,
in Obra poética‎ - v.4-6 p. 42

Em literatura, quando o assunto é a efemeridade da vida, logo se pensa em Cecília Meireles. Realmente não houve alguém mais apropriado que tratasse do assunto. Porém, Cecília é uma querida, sensível, triste e imensuravelmente emocionante. 

Eu, particularmente, ao falar do assunto em questão prefiro Drummond e flores de cerejeiras. Drummond porque é exato, direto e feliz;  flores de cerejeira por conta da simbologia do efêmero, da vida breve porém grandiosa.  Então, em dias de aniversário, gosto de Drummond que parece falar ao pé do meu ouvido: 'acorda, viva porque o tempo urge'. Ah, se urge ... meu  grande amigo Douglas é quem o diga, pois hoje o dia é dele.

Só que Drummond ao invés de sussurrar ao pé do ouvido, deve dar o clássico tapinha nas costas do meu amigo e dizer: 'rapaz esperto, apreendeu muito bem a lição dos tempos, pois o seu tempo urge, porém de forma fascinante', uma vez que ele, o Douglas, está a cada ano melhor do que o anterior.

Parabéns, querido!


domingo, 31 de janeiro de 2010

O começo de tudo

                                                                                


Sempre é difícil começar, porém  necessário ... Neste post de inauguração do meu blog, a intenção maior é esclarecer aos possíveis leitores o que poderão aqui encontrar. 

Gosto de impressões, ainda mais quando consigo registrá-las. E é este o objetivo do blog: registrar minhas impressões de um mundo impreciso, no qual o real e o irreal coexistem de forma sincrônica, causando muitas vezes a inquietação de um ser que respira palavras ...

Ao deparar-me com as inúmeras situações do cotidiano, sempre crio em pensamento uma frase, um poema, um conto, uma crônica  - ou, então, assemelho a imagens, músicas - das mesmas e muitas vezes deixo de registrar. Nem sempre é algo relevante, mas creio que seja possível aproveitar uma boa parte.

Então, é isto que pretendo fazer aqui ... Registrar um pouco do meu mundo que divide-se em uma aquarela de possibilidades,  que permeia do cinza ao verde-limão, em misturas muitas vezes convencionais e outras tantas, improváveis.

E assim começamos ....

Até o próximo post!