segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Canaval

 
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É Carnaval ... e aqui no Brasil o momento mais eufórico e efusivo do ano. Eu, sinceramente, detesto esta época, ainda mais quando não posso viajar ... Os grandes centros ficam lotados, com pessoas euforicamente animadas, procurando fantasias, jogando confetes no meio da rua ...

Sem contar que tudo é demais: a música é muito alta, o batuque das escolas de samba impregnam, a figura da mulher é demaisadamente rebaixada (assim como suas roupas são quase imperceptíveis), o brilho ofusca ... ah, não poderia esquecer da cerveja: o consumo é tão grande que até o principal efeito colateral fisiológico  da 'Devassa' (que falta de originalideade, rs) ganhou matéria de destaque hoje em programas jornalísticos de praxe - "os manequinhos", que urinam efusivamente - rsss .. ai, ai, como diz meu pai, talvez eu tenha me habituado a ficar efusivamente chata nesta época ...  

A verdade é que com o 'avanço' da humanidade, o Carnaval, pelo menos das grandes metrópoles, perdeu a originalidade, o sentido. Quando criança, minha avó costumava nos levar em matinês nesta época : íamos felizes, sempre com uma fantasia improvisada porque o dinheiro era curto, carregando uma garrafinha de água e um saquinho com confetes e serpentinas; durante algumas horas, dançavámos e brincávamos com muita alegria, sem ao menos imaginar que um dia a fantasia seria dispensável, rss ... Creio que eu esteja ficando velha ... Mas, enfim, deixo aqui trechos de um texto que recupera a minha boa lembrança do carnaval, para me redimir com os foliões de plantão, rs ... Boa leitura!


"(...) Fomos passear também na Gávea e na Avenida Niemeyer, ainda bastante deserta, e na Tijuca, com a sua floresta e a sua linda Cascatinha. "Cascatinha", por sinal, era o nome da cerveja que papai tomava com muito gosto, enquanto nós, crianças, nos amarrávamos num refrigerante incrível que tinha o estranho nome de Guaraná.
Não deixamos de passear pelo centro da cidade, na elegantíssima Rua do Ouvidor, e na muito chique Cinelândia, em frente ao Teatro Municipal e suas escadarias, com seus bares e sorveterias na calçada. E, claro, na Avenida Rio Branco, reta, larga, e imponente, embicando no cais do porto, por onde chegamos ao Brasil pela primeira vez.
E foi nessa avenida Rio Branco que tivemos a nossa primeira impressão - e que impressão! - do carnaval brasileiro. Eu já tinha ouvido falar em carnaval: na Europa, era famoso o carnaval de Nice, na França, com a sua decantada batalha de flores; e o carnaval de Veneza, mais exuberante, tradicional, com gente fantasiada e mascarada dançando e cantando nas ruas. E havia também os luxuosos, e acho que "comportados", bailes de máscaras, em muitas capitais européias. Eu já ouvira falar em fasching, carnevale, Mardi Gras - vagamente. Mas o que eu vi, o que nós vimos, no Rio de janeiro, não se parecia com nada que eu pudesse sequer imaginar nos meus sonhos mais desvairados.
Aquelas multidões enchendo toda a avenida, aquele "corso" - o desfile interminável e lento de carros, pára-choque com pára-choque, capotas arriadas, apinhados de gente fantasiada e animadíssima. Todo aquele mundaréu de homens, mulheres, crianças, de todos os tipos, de todas as cores, de todos os trajes - todos dançando e cantando, pulando, saracoteando, jogando confetes e serpentinas que chegavam literalmente a entupir a rua e se enroscar nas rodas dos carros... E os lança-perfumes, que que é isso, minha gente! E os "cordões", os "ranchos", os "blocos de sujos" - e todo o mundo se comunicando, como se fossem velhos conhecidos, se tocando, brincando, flertando - era assim que se chamavam os namoricas fortuitos, a paquera da época -, tudo numa liberdade e descontração incríveis, especialmente para aqueles tempos tão recatados e comportados... Tanto que, ainda vários anos depois, uma marchinha carnavalesca falava, na sua letra alegremente escandalizada, da "moreninha querida... que anda sem meia em plena avenida".
Ah, as marchinhas, as modinhas, as músicas de carnaval, maliciosas, buliçosas e engraçadas, algumas até com ferinas críticas políticas... E os ritmos, e os instrumentos - violões, cuícas (coisa nunca vista!), tamborins, reco-recos...
E finalmente, coroando tudo, as escolas de samba, e o desfile feérico dos enormes carros alegóricos das sociedades carnavalescas - coisa absolutamente inédita para nós - com seus nomes esquisitos, "fenianos", "Tenentes do Diabo" - cada qual mais imponente, mais fantástico, mais brilhante, mais deslumbrante, mais mirabolante - e, para mim, nada menos que acachapante!
E pensar que a gente não compreendia nem metade do que estava acontecendo! Todo aquele alarido, todas aquelas luzes, toda aquela agitação, toda aquela alegria desenfreada - tudo isso nos deixou literalmente embriagados e tontos de impressões e sensações, tão novas e tão fortes que nunca mais esqueci aqueles dias delirantes. Vi muitos carnavais depois daquele, participei mesmo de vários, e curti-os muito. Mas nada, nunca mais, se comparou com aquele primeiro carnaval no Rio de Janeiro, um banho de Brasil, inesquecível ...(...)"

Tatiana Belinky. Transplante de menina. 3ª ed. São Paulo, Moderna, 2003, pp. 101-103.




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